domingo, 26 de julho de 2009

Banalidades

Eu amo entre cinco e seis da tarde

E assim que pára de chover

Eu amo olhar pela janela

Nos cinco minutos que a rua fica sem trânsito de madrugada

Eu amo descalçar os sapatos


Eu amo vento no cabelo molhado

E acordar às seis da manhã

Para em seguida lembrar que é sábado

Eu amo sorrisos de desconhecidos na rua


Eu amo você dizer que se lembrou de mim

E me chamar de querida

Eu amo beijos no rosto

E ter o cabelo acariciado

Eu amo lembrar do passado


Eu amo La Traviata

E solos de guitarra

Eu amo falsetes

E violinos


Eu amo uma pilha de livros novos

E filmes antigos

Eu amo sentar sozinha em silêncio

E pensar em como será

Ainda que eu sinta falta de como era


Eu amo vinho e amigos

E crianças

Eu amo igualmente certezas e dúvidas

E todas as minhas banalidades


Eu amo o Norte

E também andar sem bússola...

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Arma X

Minhas experiências com a arte culinária, obrigatórias desde que comecei a morar sozinha, têm sido entre fascinantes e desastrosas, com certos pendores para a segunda classificação. Quando de minhas panelas de inox não sai algo tão salgado a ponto de fazer inveja ao Mar Morto, até que consigo, com relativa rapidez e facilidade, cozinhar umas coisinhas bem boas. O problema é que, como todo ser humano, não consigo me restringir ao campo dos molhos de tomate com calabresa e dos franguinhos grelhados - eu preciso de aventura - e é aí que mora o perigo.

A odisséia começou no último domingo, quando fiz carinha alegre para uma bandeja de cogumelos que descansava tranqüila na barraca da feirante japonesa de quem minha mãe compra há séculos. Vi que era shitake, um dos meus favoritos e, diante da minha empolgação, minha mãe acabou comprando, sete reais por duzentos gramas de fungos. Já aí eu deveria ter percebido que o que quer que fosse que eu pretendesse com os cogumelos, não iria dar certo.

Em casa, armazenei-os bonitinhamente na geladeira e fiquei pensando na melhor forma de prepará-los (eu, que aprendi a fazer arroz não tem três meses!). Ontem à noite fui olhar a data de validade, temerosa de que fosse de, sei lá, 28 minutos, e eu já tivesse perdido a preciosa iguaria. Ufa, eram 7 dias, o que significava que eu poderia criar uma receita gourmet até o próximo sábado sem correr o risco de parar no hospital. Foi então que vi no rótulo que não eram cogumelos shitake, e sim shimeji. No corre-corre das compras, eu devo ter visto uma bandeja e pego outra. Ora, ora, ora, sem problemas, pensei, vou experimentar shimeji pela primeira vez, feito por mim mesma. Que legal.

No trabalho, pesquisei rapidamente umas receitas e acabei escolhendo macarrão com molho de shimeji. Tenho uma amiga que faz um macarrão com molho de shitake que dizem ser coisa do outro mundo. Não havia razão, então, para que o meu ficasse menos espetacular. Afinal, entre shitake e shimeji a diferença é o sufixo. Tudo coisa de japonês. Uma maravilha deliciosa e sensacional.

A receita do molho era simples: alho, sal, manteiga, limão, shoyo e creme de leite. Comecei refogando o alho, enquanto Tina Turner perguntava O Que O Amor Tem A Ver Com Isso (What's Love Got To Do With It) no meu DVD player.

Alho frito, receitinha ao lado, acrescentei o sal e os cogumelos previamente lavados. Feliz da vida, fui refogando, lá lá lá lá ri lá lá, e cantando. Eis que senão quando, os cogumelos começam a adquirir uma aparência francamente suspeita, murchando e se transfigurando em algo que mais parecia os restos mortais do Freddie Krueger. Até aí tudo bem, que cogumelos são mesmo coisas feias de meu Deus, mas nem por isso menos deliciosas. O problema foi o cheiro. Começou sem mais aquela a subir um cheiro de galinha molhada com borracha no asfalto, uma coisa incompreensível e positivamente anti-culinária. Olhei a receita para ver se eu não deveria ter acrescentado qualquer coisa para amenizar aquilo e percebi...ah, o limão. Todo mundo sabe que o limão é ótimo para eliminar odores desagradáveis e então deveria ser por isso que ele constava na receita. Espremi o limão e fiquei esperando que o cheiro de gambá cozido em galocha se transformasse em cheiro de prato apetitoso que faria o vizinho bonitinho do quarto andar bater na porta se convidando pro jantar. Não aconteceu. Para falar a verdade, o cheiro agora estava um pouco pior, com o limão tendo intensificado o futum maldito, transformando-o num fedor acre e um tanto desesperador. Olhei novamente a receita pensando que eu tivesse esquecido algo, como um vidro de Chanel N° 5, e vi que ainda faltava o shoyo. Quando acrescentei, já meio tonta pelos vapores daquela bomba química, o molho de soja, foi o tiro de misericórdia. O diacho daquela gosma na panela começou a ferver e a sibilar - vivo, sem dúvida - e o cheiro se transformou simplesmente na coisa mais absurdamente insuportável de fedorenta que eu já tive o desprazer de colocar o nariz perto.

Não tem como descrever! Não parecia com nada que eu havia cheirado antes, e ao mesmo tempo me lembrava de todos os cheiros ruins que eu conheci na vida. Vale acrescentar que, de todos os meus sentidos, devo realmente me orgulhar do meu olfato e da minha memória olfativa. Lembro-me perfeitamente do perfume do primeiro hidratante que usei (Monange do coraçãozinho rosa! Ainda fabricam?) e do cheiro do sanduíche de queijo grelhado que meu pai fazia quando eu tinha seis anos de idade. Portanto, se tem uma coisa que entendo, é de cheiros. E aquele era, sem dúvida, o mais nauseante odor que eu já havia sentido! Tinha mesmo um certo cheiro de borracha, mas cozida em ácido, e parecia que eu havia colocado adstringente na panela, com um bocado de bofes de boi ou bode junto. Enfim, cheiro de coisa ruim from hell. Cheiro de autópsia do ET de Varginha.


O pior não foi isso! Tendo desligado o fogo e temerosa que, se acrescentasse o creme de leite, aquele cozido de alien começasse a falar comigo, tampei rapidamente a panela e liguei o exaustor, na tentativa desesperada de mandar aquele cheiro pro corredor, pra casa do síndico, pra casa do C*****, sem sucesso. Abri minhas janelas e lamentei muito não ter um ventilador. Dos grandes, dos de teto. Cheguei à conclusão de que não poderia esperar que aquela gosma esfriasse para jogar fora. Prendi a respiração, peguei o lixinho da pia, coloquei a panela perto e virei. Dei três nós no saco e saí correndo de roupão pro corredor, o vizinho bonitinho que me visse em trajes menores e se danasse. Abri a portinha da lixeira e arremessei o saco, correndo de volta em seguida, com medo da lixeira devolver. Cheguei em casa e o odor de cemitério imperava, o exaustor ligado no máximo, e nada acontecia. Rápido, comecei a grelhar um frango (eu tinha que jantar alguma coisa!), procedimento que em geral faz a casa ficar cheirando a frango três dias. O odor dos cogumelos assassinos sobrepujava o do frango, e nada - eu disse NADA - fazia com que passasse. Tentei abanar, lavar, borrifar com detergente toda superfície que esteve em contato com a gosma repugnante, em vão. A essa altura, considerei despejar meu vidro de Amber Romance da Victorias' Secret inteiro nas panelas, muito melhor ter a cozinha eternamente cheirando a perfume do que àquela desgrama. A cada fungada que eu dava, me arrepiava toda de nojo, como se tivesse cheirado inadvertidamente esgoto a céu aberto. Depois de pelo menos uma hora de ventilação e da utilização de todo produto químico que havia, o fedor começou a se dissipar, mas aí entrou em ação minha privilegiada memória olfativa, e eu comecei a achar que todo e cada um dos meus pertences estava cheirando a shimeji: meu travesseiro, minha camisola, minha escova de dentes, juro que senti o cheiro até em meus CDs! Tentei cheirar as coisas mais deliciosas prá ver se enganava o cérebro, como suco de uva, meus perfumes, amaciante, chocolate em pó...nada. A memória do cheiro nauseabundo estava para sempre registrada em meu cérebro. Nesse exato momento, enquanto escrevo, posso jurar que minhas mãos - já tomei banho e usei meia dúzia de cremes - estão cheirando a cogumelos podres, e penso se isso não vai passar às teclas do computador e conseqüentemente ao texto.

Portanto, caros leitores, se enquanto lerem esse post surgir um cheiro desagradável tipo...o pior cheiro do mundo, por gentileza, queiram me perdoar. Eu jurava, de pés juntos e dedos cruzados, que era shitake!

terça-feira, 14 de julho de 2009

Saindo da casca

Juro que estou preparando um texto super legal para atualizar isso aqui. Juro. Uma coisinha leve, despretensiosa, divertida e até romântica. Nada sombrio, triste, revoltado. Já dei vazão ao que precisava. Agora, é só aquela saudade "saudável". Mas, valeram os comentários (li todos, e visitei todos os que tinham blogs) e o destaque que vocês deram ao texto. Obrigada a quem o divulgou em suas páginas pessoais, em comunidades no Orkut, entre seus amigos, etc. Muito grata aos elogios, é muito bom quando vêm de quem a gente nem conhece, pois estão avalianado mesmo a qualidade e o sentimento. Gostei de ter conhecido mais gente que gostava dele e, quem sabe, daí saiam mais boas amizades (anota, Michael, te devo mais essa!). Enfim, ter partilhado esse momento com vocês arrefeceu minha indignação. Obrigada de verdade.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Mundinho (Carta aberta)


Caros concidadãos que habitam esse planeta,

Tem sido absolutamente chocante observar a maneira como todos vocês, nos últimos dias, "descobriram" Michael Jackson.

Eu, como já externei aqui, que sou uma admiradora há quase 15 anos, estou entre surpresa e revoltada. Então ele era mesmo bom, hein? Mesmo?! Um músico de extraordinário talento?! Um ativista dos direitos humanos? Um cara caridoso?!! Bom pai?!! Deveras interessante. Eu só me pergunto onde vocês estavam desde, sei lá...1965?

O talentoso e humanitário homem que hoje teve seu funeral-homenagem transmitido para cada canto desse planeta por quantos meios de comunicação existem foi assim desde...sempre. Michael não ficou extraordinário do dia pra noite, ou melhor dizendo, do palco para o caixão. O que aconteceu foi que grande parte de vocês sofria e sofre do maior mal que assola a humanidade: a ignorância.

Ou seria preconceito? Dá na mesma. Julgar sem conhecer é isso. O cara passou a vida tentando se explicar, sendo que não havia a menor necessidade. Por quê? Porque simplesmente não é da sua conta!


Vamos tocar nos pontos sensíveis? Vamos cutucar as feridas? Vamos falar das esquisitices? Vamos!!! Vamos sim!


Vamos primeiro falar de aparência. De fato, incomoda muito um homem que nasceu negro e morreu branco, provavelmente o único caso conhecido. É considerada uma negação da própria raça. Curioso foi observar o funeral hoje, em que mais da metade dos convidados que foi homenageá-lo, chamá-lo de IRMÃO, era negra. Para um homem racista, Michael deveria ser bem tolerante.


Filhos brancos, você disse? E que não eram dele, ainda por cima! Realmente um caso a se pensar. Três crianças absolutamente saudáveis e aparentemente felizes, sendo que uma delas não hesitou em pegar o microfone na frente de milhares de desconhecidos e chamá-lo de "o melhor pai que vocês podem imaginar". Faço idéia do tanto que Michael Jackson deveria parecer "monstruoso" para elas, para falarem assim. Além disso, se lhes parece errado uma pessoa criar crianças com quem não tem relação biológica (quem sabe se não tem, aliás? Eu conheci pessoalmente uma família em que o pai negro teve oito filhos, dos quais seis de pele branca) então é bom avisar Angelina Jolie e Madonna para "devolverem" as crianças negras e asiáticas que adotaram.


Plásticas! Como não? Coisa que ninguém fez nesse mundo, só Michael Jackson! De fato, seu rosto fora do comum dos últimos anos era o que se poderia chamar de estranho. Mas eu pergunto, por que padrões? No que a aparência incomum de Michael lhes era ofensiva, exatamente? Por que ele incomodava mais do que as milhares de pessoas que se tatuam (às vezes por inteiro), se furam com piercings dos pés a cabeça, quebram ossos das pernas para ficarem mais altas, retiram costelas para afinar a cintura, submetem-se à desnutrição para entrar em um padrão de magreza irreal e muitas vezes fatal? Se for para falar de inconformismo com o próprio corpo, olhem para o seus! Quantas vezes você desejaram ser mais altos, mais magros, mais fortes, terem outro nariz? A quantos sacrifícios que passam muito longe da preocupação com a saúde vocês se submetem para ficarem ridiculamente parecidos com os idiotas de imagem manipulada que vêem nas revistas?


Abuso sexual. A pior polêmica, a esquisitice mais revoltante. É de dar nojo as pessoas fazendo piada sobre um assunto tão sério. Rir na mesa do bar do "comedor de criancinhas" demonstra duas coisas: uma, que vocês realmente não se importam com o bem estar de criança nenhuma e outra, que a justiça realmente não deve existir. Ser investigado por anos a fio, ser julgado por cinco meses e absolvido realmente não deve ter peso nenhum. Eu me pergunto se fosse um filho de vocês, por quantos milhões de dólares vocês o venderiam a Michael Jackson? Nem por todo dinheiro do mundo?! Mesmo? E o que os faz pensar que só vocês são assim? Será que não havia entre os acusadores NENHUM que pudesse provar o crime? Nenhum exame físico, nada? E por que agora essa enxurrada de jornalistas dizendo que nunca viram nada errado, que tudo não passou de um mal-entendido, que "foi mal, Michael, desculpa aí?"


A resposta está na incrível capacidade humana de converter os mortos em santos. Não, Michael Jackson não era perfeito. Estranho que lhes pareça, era um ser humano. Difícil, polêmico e que provavelmente fez muitas escolhas erradas na vida. Mas é tarde para chorar agora, assim como é tarde para reconhecer que sua genialidade, talento e caridade ultrapassava muito seus comportamentos não convencionais.


Da próxima vez, não esperem tanto. Michael Jackson certamente, onde estiver, está apreciando suas flores, homenagens, seu choro. Mas o que ele queria mesmo, e que vocês nunca se dignaram a dar, era respeito. Muito tarde, agora.