segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A mãe de todas as vergonhas

Anos atrás, estudei com um dos filhos do Governador José Roberto Arruda. Cursávamos o Ensino Médio em um dos melhores colégios particulares aqui de Brasília. Não éramos amigos próximos, apesar de termos estudado na mesma classe. O rapaz de quem eu lembro era um garoto calmo, sorridente e até simpático, que namorava uma das garotas mais bonitas da turma e, me lembro como se fosse ontem, ele chegou um dia a presenteá-la com um Oscar. Isso mesmo. Na época, era moda uma loja que vendia artigos inspirados em cinema e que tinha uma réplica muito bem-feita da estatueta do Oscar, e foi isso que o filho de Arruda deu de presente para a namorada, no Dia dos Namorados, na frente de todos os colegas. Eu achei brega, mas bonitinho. Fiquei, na verdade, com um pouco de vergonha de ter sido forçada a partilhar dessa intimidade, um sentimento que sempre me acompanhou, manifestando-se toda vez que alguém fazia algo inapropriado, de cunho íntimo ou escandaloso, na minha frente ou mesmo na televisão.

Logo depois da formatura, quando Arruda firmou-se na política, me lembrei do filho dele e pensei: "esse está com a vida feita." Aqui em Brasília é comum considerarmos os filhos de políticos como os grandes privilegiados (materialmente falando) da carreira de seus pais, mas também como um câncer da cidade, devido a seu comportamento desvairado. Via de regra, os boyzinhos filhos de deputados e senadores acabam chamando atenção para si mesmos das mais tristes formas, desde de brigas de gangues em boates que terminam em facadas até assassinatos escandalosos de mendigos, índios queimados, envolvimento com drogas e tráfico...vocês conhecem o esquema. Felizmente, eu nunca vi o nome de meu ex-colega citado em algo do tipo, e lembro de ler com cuidado as notícias policiais secretamente desejando que nunca visse.

Em 2001, quando houve o escândalo de quebra de sigilo do painel do Senado, foi também no filho de Arruda que pensei. Fiquei chocada e envergonhada com aquilo, eu tinha só 20 anos na época, recém-começava a faculdade e essa devia ser mais ou menos a idade do filho dele também. Pensei que era um golpe muito duro na família e pensei nas piadinhas inevitáveis que os filhos devem ter ouvido na escola, faculdade, trabalho. Nunca cheguei a considerar que Arruda tivesse feito aquilo com o conhecimento dos filhos. Simplesmente não me agradava a idéia de que eu havia estudado com um aprendiz de criminoso do colarinho branco.

Quando Arruda se candidatou, eu desconfiava. Não votei nele. O escândalo do painel, na minha opinião, não deveria ter sido esquecido tão fácil. Mas ele era uma alternativa razoável a Joaquim Roriz, indiscutivelmente o administrador mais irresponsável, incompetente e coronelista que o DF já conheceu, uma figura odiosa sob todos os aspectos. Então, apesar de ter escolhido para vice Paulo Octávio, cuja má-fama corre aqui na cidade como o vento, considerei que, se Arruda ganhasse, dos males, o menor.

Pensei muito de novo no filho dele quando Arruda foi eleito. Cheguei a tentar descobrir por amigos em comum se ele estava trabalhando com o pai, se havia se recuperado do escândalo de 2001, se estava bem e até mesmo fiquei curiosa se a namorada que merecera um Oscar continuava a mesma. Não consegui nenhuma informação, só a de que a família procurava viver de forma discreta, posição sempre recomendável e que, infelizmente, poucos políticos seguem.

Qual não foi minha surpresa quando o governo do pai do meu ex-colega vingou, depois de uma resistência inicial dos brasilienses, e vingou bem! Vi a cidade ficar livre de invasões, de buracos colossais em que perdíamos, na chuva, senão um pneu, às vezes o carro todo. Vi a enxurrada de pedintes que nunca obtiveram os lotes prometidos pelo governo anterior ser retirada das ruas, vi camelôs receberem um espaço próprio e legalizado para trabalhar, vi urbanização, alargamento de avenidas, vi o metrô funcionando depois de tanto tempo parado que já havia se tornado uma lenda, uma piada. Vi a cidade crescer de forma que eu, sua filha, não a reconheci mais. Era uma cidade grande, enfim. E me orgulhei dela, e do governo que ela tinha. Talvez agora as maledicências e piadas que meu colega tenha ouvido anos atrás tivessem que ser engolidas pelas mesmas bocas que as pronunciaram e isso, visto pela perspectiva de uma adolescência difícil, como a minha foi e como a dele pode ter sido, me agradou.

Chegariam as próximas eleições e eu, sem dúvida, votaria em Arruda. Até, é claro, sexta-feira passada. Quando li a notícia da divulgação do recebimento de propina, um sentimento de extremo mal-estar se apossou de mim. Mas foi bem mais do que isso, me senti desolada, abandonada, como a garota que descobre que o pai não foi à sua apresentação de balé. Me senti uma criança indefesa e boba, que acreditou tempo demais em Papai Noel.

Qual o sentido de tudo, então? O que eram essas obras, esse crescimento, essa transformação do nosso pedaço seco de Goiás em uma cidade linda e verdadeiramente cosmopolita? Para que tudo isso se acabaria se revelando tão desonesto e canalha quanto tantos outros? Para que fazer essa imensa população tão achincalhada acreditar que havia enfim alcançado o respeito junto ao resto do Brasil?

Não tenho grande (nenhum, é verdade) conhecimento político, mas sei um bocado de sentimentos, de dor moral, conheço bem essa "sensação de nunca mais": nunca mais confiar, nunca mais acreditar, nunca mais sentir segurança na palavra de alguém. É uma surpresa desagradável (e inacreditável) de Natal, às vésperas do ano do cinquentenário da cidade, com tudo - tudo - sinalizando que teríamos um 2010 ainda mais promissor..

Penso de novo em meu colega, cujo pai governava (governa?) Brasília até três dias atrás. Terá esse pai coragem de explicar ao filho o que de fato aconteceu? Pior: tendo esse filho a consciência do ato do pai, terá sido conivente, ou morre de vergonha como tantos brasilienses agora, que sentem como se tivessem sido traídos por um parente próximo, confiável, o tio boa-gente que consertava os patins da criançada nas férias?

Somos todos crianças desamparadas em Brasília hoje. E agora?

8 comentários:

  1. Espetáculo de artigo. Só poderia ser menmo minha prima! Palmas.

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  2. Cara Sabrina,

    O sujeito pertence ao DEM, um partido extremamente liberal, de direita, cuja sigla antiga era PFL.
    Em apertadíssima síntese, este partido tem sua origem nos militares, no conservadorismo. Não por outra razão, figuras nefastas como os Magalhães encabeçam esta turma.
    Aqui onde eu moro, lugar da elite mais podre deste país, para o meu completo dissabor, temos um prefeito desta corja.O pessoal gosta dele.EU NÃO ME ENGANO.
    Partido DEMOcratas!Por isso, para o bem deste país, se você o vir na urna eletrônica, saia correndo e conte para mamãe...Pois a política não é lugar para criancinhas...

    Beijoca :)

    Renato.

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  3. Lamentável (mais uma vez) porém nem um pouco surpreendente.
    Sim amiga, os filhos do cerrado estão desamparados. A não ser que essas investigações cheguem até a origem dessa podridão (não podemos nos esquecer que no passado - não muito distante! -, Arruda e Roriz andavam juntos) e derrubem governo atual e anterior, infelizmente, há grandes chances das coisas ficarem pior do que estão.
    Como dizia Renato Russo: "é sempre mais do mesmo..."

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  4. Olá Querida.


    Em breve estaremos aí novamente
    Você receberá um e-mail com maiores informações.


    Bjos.

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  5. Sabrina, você pelo menos não votou nele. nem saiu por aí espalhando as boas novas de Brasilia finalmente ter uma alta autoridade pra quem a gente pudesse olhar com respeito e gratidão: "obrigado por transformar meus impostos em benefício, não só pra mim como para o mais completo estranho na cidade!" Quando é que você acha que eu vou poder dizer isso um dia? Pra quem? O governo federal é a m... que é, não vale nem a pena perder caracteres com esses maus-caráteres. o mundo artístico nacional perde seus ídolos pelo envelhecimento e morte - o Brasil cultural me lembra os carros de Cuba, os que ainda estão conseguindo rodar não têm peças nem modelos de reposição -, o mundo esportivo é a barafunda que é - havia algo de mágico em torcer para um atleta em especial porque o sofrimento daquele jogador ao perder um lance se transferia e se amalgamava no coração do torcedor, e a sua alegria no momento mais esperado se espalhava e se multiplicava em cada coração. Hoje em dia o cara tem uma vida de rei pra ficar brincando pela vida e sem aquela responsabilidade (um amigo batizou o filho como Tulio, homenagem ao beiçudo do na época Botafogo, e de lá pra cá o Tulio ((o jogador) já esteve nuns trinta e cinco times. Haja camisa oficial pra homenagear o cara, né não? - e, pra te ser sincero, não tem nenhum brasileiro vivo, hoje em dia, que eu tenha orgulho de apresentar ao mundo como conterrâneo meu. A isso se chama desesperança. Beijão. Wilson. p.s.: excelente artigo!

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  6. Excelente texto e reflexão, gafanhota! Mandou muito bem, meus parabéns! Beijinhos,
    Marcos Gafanhoto :)

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  7. Filha, seu artigo está ótimo, como sempre! Duro é saber que toda essa sujeira encheu, mais ainda, os cornos do Roriz de votos. Quem aguenta? Não foram poucas as vezes que conversamos sobre a ladroagem na política. Quem se candidata tem, obrigatoriamente, que portar a carteirinha do sindicato (dos ladravazes). Os cargos políticos não deveriam ser remunerados, nenhum deles, queria ver se patriotismo vingava, ah tá, me conta, viu? Bjos, Mommy

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  8. Sabrina, continue escrevendo assim. Já sou seu seguidor! Quanto ao artigo... vi a repercussão aqui em Pernambuco: todo mundo sabe que sou de Brasília, e por aqui, em geral, o povo acha que somos todos corruptos, filhinhos de papai e incendiários. Se o filho dele tá com vergonha? Com vergonha acabei ficando eu... :(
    Imagina, a nossa capital como cenário dessa balbúrdia!

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